quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ela, Ele e o Outro

Naquela noite, Ela percebeu que algo estava diferente. Ele já não era tudo o que Ela precisava para ser feliz. Na verdade,  já pouco nele a fazia feliz… Faltava algo, faltava uma chama, uma força que a fizesse entregar-se por vontade própria, numa doce rendição. Subitamente, sentiu um odor que lhe era familiar e que não pertencia a nenhum dos corpos ali deitados. Era o perfume do Outro… Esse sim, era capaz de tocar na sua essência, de atingir o que de mais profundo e secreto havia nela. Sentiu-se triste, sabia que, naquele momento, nada mais havia dele do que o seu perfume, o qual ainda estava bem presente no seu ser depois do encontro dessa tarde. Permitia que Ele lhe tocasse apenas para não ferir o seu orgulho, apenas por condescendência. E por isso mesmo, de todas as vezes que deixava que Ele o fizesse, fechava os olhos e imaginava-se em todas as situações menos naquela. Tudo lhe parecia mais agradável do que aquela falsa entrega. Acabou por desistir de fingir que também tinha prazer. Não era só desconforto físico, doía-lhe o coração, sentia-o apertado contra o seu peito em busca daquele que o fazia palpitar. A conversa que tinha tido umas horas antes com o Outro ainda ecoava na sua cabeça. O terem de admitir que seria melhor para os dois afastarem-se ainda lhe parecia incompreensível, embora soubesse que era o que deveria ser feito. Decidiu que teria de aprender a viver sem ele, teria de se retrair sempre que lhe apetecesse procurá-lo, teria de descobrir uma forma de viver com o imenso vazio da sua falta. Na verdade, já sabia que aquilo iria acontecer, apenas tentou sempre evitá-lo, adiá-lo, com todas as suas forças… Houve momentos em que até desejou que o Outro a tivesse deixado, assim poderia odiá-lo por ter sido tão egoísta, mas de seguida vinha o medo de que isso realmente acontecesse e fazia tudo por se abstrair dessa possibilidade. Para Ele, apenas reservava as palavras estritamente necessárias e o acesso ao seu corpo. Para o Outro sabia que iria guardar para sempre na sua alma os momentos de silêncio em que se sentiam um só.

4 comentários:

  1. história verdadeira?
    Sendo ou não, emociona!

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    1. QueenC., estas "estórias" têm sempre um pouco de ficção mas também pedacinhos de mim, neste caso, revejo-me nalgumas partes. Já ouvi diversas discussões sobre se trair é apenas quando há envolvimento físico ou se mesmo em pensamento também se trai, eu ainda não tenho uma opinião formada sobre isso. Mas acho que deixarmo-nos ficar numa relação seja por comodismo ou por compaixão, isso para mim também é uma forma de traição, e nesse caso, traímos principalmente nós próprios por nos submetermos a isso.

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  2. Mistura de sentimentos... complicado.

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    1. S*, é realmente complicado, ainda mais quando se adiam certas decisões...

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